[O Segredo do Guarda-Chuva] - Capítulo 2 - O Guarda-chuva



leia o primeiro capítulo AQUI

Capítulo 2 – o guarda-chuva


                Ana tinha oito anos quando as visitas ao psiquiatra se tornaram freqüentes. Luisa, a mãe de dedicação sem medidas, resistia à ideia de que sua filha tinha algum problema. É apenas uma fase, dizia, crianças falam sozinhas o tempo inteiro, insistia, não é loucura, apenas muita imaginação. Quando atingir a puberdade isso passa, é o que gostava de repetir.
                Foi por isso que a mãe não recusou quando a filha se ofereceu para ir à padaria. Era a chance da pequena Ana mostrar ao mundo que seus pés seguiam caminhos retos como qualquer outro. Era do outro lado da rua, praticamente, que mal haveria?
                Mas a chuva veio tão rápido quanto os maus presságios. Enquanto as gotas caiam, Ana atravessava a rua. As primeiras poças começaram a se formar, e a essa altura, a menina havia contado três quarteirões deixados para trás, até chegar a uma praça onde moradores de rua acomodavam seus jornais nas sarjetas. A menina olhava com fascínio e curiosidade, jamais desbravara aquela parte do mundo dos homens. Mas a chuva afugentou-a para debaixo de uma marquise, e a menina encolheu-se em si mesma, dessa vez chorando, percebendo, em seu estágio de lucidez, não saber voltar para casa.
                Chorar não era privilégio dos sóbrios ou sãos, pensou alguém em um fluxo constante de ideias brilhantes, e talvez Ana concordasse se o medo não fosse tão grande.
                Em uma dessas, o som metálico de rodas crispando na calçada chamaram a atenção da menina. Em meio à chuva, uma senhora mostrava bastante bravura empurrando seu carrinho de supermercado. Era velha como ninguém o foi aos olhos de Ana e, talvez, fosse o motivo que lhe faltava para levantar-se e sorrir para a mulher estranha.
                - Olá – e sua palavra flutuou no ar antes de se misturar ao rugido da chuva.
                A mulher encarou a menina.
                - Você pode me levar pra casa? – Ana perguntou.
                A velha suspirou, entediada. Encarou a garota de cima abaixo, pensando, talvez, se poderia tirar proveito da situação, ou quem sabe não tivesse pensado coisa alguma, apenas seguir seu rumo.
                - O que está fazendo aqui sozinha? – a velha tinha uma voz rouca e arranhada, como se os muitos anos de vida estivessem desgastado também seu desejo em ser ouvida.
                - Minha mãe nunca me deixou sair sozinha. Mas hoje ela me deixou comprar pão. Veja – Ana mostrou as notas amassadas entre seus dedos, respondendo prontamente, desinibida.
                A velha fitou a criança por segundos, que se demoraram até virar um longo minuto de completo silêncio. Havia naqueles pequeninos olhos castanhos, jovens e ingênuos, uma manifestação quase sobrenatural, mil espectros iluminados agitavam-se em sua íris, ou talvez fosse apenas o reflexo da chuva brincando de cair. Era como ver anjos dançando.
Chegava a ser constrangedor ser encarada por um olhar imaculado, quase como se ele a expusesse, revelasse os erros de seus tantos anos de vida. Por isso a velha decidiu acabar logo com isso.
                - Não posso te ajudar – disse a mulher, por fim.
                - Quero ir pra casa.
                - Uma pena.
                Ana, dessa vez, olhava com expectativa.
                - O que quer que eu faça, garota?
                - Minha casa não deve ser longe, eu só atravessei a rua.
                - Então atravesse de novo.
                - Eu não posso. Está chovendo.
                A mulher estava ficando incomodada. Ora, então por que simplesmente não tomava seu rumo? Mas deixar aquela menina ali, deixada à própria sorte? Bem, podia pelo menos ganhar alguma coisa. A velha pensou por alguns segundos antes de meter a mão no interior do seu carrinho e vasculhar. Ana, agora, sorria maravilhada, ao ver a mulher emergir o braço enquanto segurava um guarda-chuva vermelho.
                - Você quer? – perguntou a senhora – assim você pode voltar pra casa.
                - Obrigada.
                - Não vou te dar. Estou te vendendo.
                Ana encarou o dinheiro seguro na palma de sua mão.
                - Mas e os pães? – perguntou a menina.
                - Vamos logo, não tenho a vida toda pra gastar com você.
               
                Luisa saiu em completo desespero, procurando a filha. Ana estava sentada na praça, conversando sozinha enquanto sorria para o assento vazio ao seu lado. Chovia, mas o guarda-chuva vermelho parecia muito bem acomodado em suas mãozinhas.

                 

4 inspirações:

  1. Confesso que a estória vai longe, na boa!! É incrível a forma como tu prende a atenção do leitor! Gostei muito desse capítulo!!

    Sabe uma analogia que me passou pela cabeça?! rs
    Essa forma em que você vai publicando os capítulos, me lembrou os folhetins de José de Alencar e Machado!!
    Quem sabe tu não tá reinventando a técnica?! Folhetins modernos, talvez!!

    Okay, releve, as vezes a opinião sai sem pensar!! haushs

    Me avisa no capítulo 3 kk

    Abração
    Adriano Gutemberg
    http://geracaoleiturapontocom.blogspot.com.br/

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  2. Wow!!

    Ficou show o segundo capítulo, Pedro! Adorei a construção da personagem e seu guarda-chuva vermelho!

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  3. Oie!
    Ta ainda melhor que o primeiro, fiquei pensando se a senhora é fruto do mundo imaginário de ana? Que talvez não seja imaginário.
    Tenho certeza que, se continuar assim, seu livro vai ser um sucesso, vou ter o maior gosto em falar que participei um pouquinho do processo.
    Bjos

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  4. Oi, Pedro. Gostei do 1 e 2 capitulo, vi pelo link que vc deixou.
    Você tem uma escrita legal, bem simples e fluida. Muito bom. E claro, escreve bem, o que é essencial! Parabéns!
    Abraços!
    Descobrindolivros.blogspot.com.br

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